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O quê explica a atual crise econômica da Argentina?

A questão econômica do nosso país vizinho permeia diferentes questões, incluindo nela três fatores relevantes para uma estabilidade econômica: câmbio, inflação e dívida externa. Para delinear brevemente estas questões, o presente artigo irá delinear um passado argentino em momentos diferentes, que construíram o atual cenário econômico do país.


O primeiro salto é a um passado mais próximo, em 2018, quando em razão de uma crise cambial o país viu se esvair suas reservas cambiais e, recorreu ao Fundo Monetário Internacional (FMI) em uma linha de crédito emergencial de US$ 50 bilhões. Em análises de economistas, tal cenário foi deflagrado em razão de uma reversão da balança de pagamentos e transações do país em suas relações de troca internacionais, o que economistas consideram uma situação habitual para um país que habita a periferia do sistema financeiro mundial. A Argentina enquanto economia periférica, seria mais suscetível a mudanças no âmbito internacional, tornando-a mais vulnerável às oscilações comuns de mercado.


Convém-se destacar, todavia, que o país vem de um passado recente de dívida externa por conta de uma profunda depressão em 2002, após a declaração de moratória em 2001 no valor de US$102 bilhões. Ademais, a crise financeira global de 2007-2009 (a famosa “marolinha” brasileira) levou a um choque cambial em 2018 sob um contexto de desequilíbrio negativo no balanço de pagamentos do país. Assim, apesar do país ter passado por um período positivo, entre 2006 e 2012, na sua balança de pagamentos, entre 2012 e 2015 a queda no preço das commodities impactou as exportações dos países latino-americanos, incluindo a Argentina.


Em dois anos, entre fins de 2015 e de 2017, a dívida total do setor público argentino evoluiu de US$ 222,70 bilhões para US$ 320,93 bilhões. Em dezembro de 2017, as reservas argentinas totalizavam US$ 53,0 bilhões. Isto decorre também de uma mudança no governo estadunidense dada a reversão de sua política monetária de redução de juros de curto prazo. Ademais, alguns economistas consideram ainda que, em uma visão macroeconômica, investidores observam a vulnerabilidade do país e a comparam com outros que estejam em processo de crise e, por um efeito de reflexo, passam a também perder interesse em países antes mesmo que estes entrem de fato em uma crise.


Avaliando um passado anterior, após os anos de peronismo a Argentina teve seu período de ditadura militar um massacre à indústria incipiente com o fim do protecionismo e a política de substituição de importações. Se em 1976 o Produto Interno Bruto (PIB) argentino chegou a 51 bilhões de dólares a década de 80 foi considerada a década perdida pois, como fim da ditadura o país entrou em hiperinflação. Enquanto o Brasil experimentava a paridade com o dólar com o Plano Real entre 1994 e 1999 como saída para uma inflação que não encontrava solução, a Argentina utilizou-se da mesma estratégia de paridade artificial com a Lei de Convertibilidade de 1991. Entretanto, diferentemente da realidade do Brasil, a Argentina não possui reservas de dólar e, uma diversidade econômica suficiente para segurar a onda de saída da moeda pós fim da política de paridade. Este foi o cenário que levou ao maior calote da história em 2001.


A Argentina alimenta um ciclo de crises tendo em vista que, na década de oitenta viu o aumento da sua dívida, nos anos noventa houve tentativas de resolução através de privatizações, seguida pela crise de 2002 causada pela taxa de câmbio. Assim, embora se criem períodos de calmaria, os problemas estruturais nunca são de fato resolvidos. As crises persistem nunca foram de fato resolvidas. Em 2020, com a pandemia, a contração da economia argentina foi equivalente à de 2002, em torno de 10%.


Por fim, convém-se destacar que, saltando a um passado ainda mais distante, durante a segunda guerra mundial Argentina e Estados Unidos da América tiveram um desentendimento diplomático que muito custou ao país latino-americano. Devido ao rápido e primoroso crescimento econômico argentino 50 anos antes da Primeira Guerra Mundial, o país passou pelo período da Grande Depressão bem e, chegou ao contexto da Segunda Guerra Mundial a um cenário de disputa de influência com EUA na américa latina. Os dois países mantinham relações turvas uma vez que se sobrepunham no quesito exportação e não logravam boas trocas comerciais.


Entretanto, devido a neutralidade argentina na II GM, o país recebeu um boicote político e econômico dos EUA que em muito marca a história do país. Após o ataque de Pearl Harbor, o que era uma pressão nacional argentina em manter o pacifismo e a neutralidade passou a ser interpretado como um posicionamento a favor do Eixo, o que fomentou um discurso estadunidense de retóricas exacerbadas sobre o perigo da Argentina e suas intenções políticas. Tal questão diplomática levou a um bloqueio de investimentos econômicos por parte de EUA entre 1942 e 1949, que foi acompanhado por outros países europeus, inclusive Grã-Bretanha.


Este cenário gerou o que ficou conhecido como “o milagre do subdesenvolvimento argentino”, uma vez que o país possuía um grande potencial e capacidade econômica em 1937. Ademais, o período de protecionismo de Juan Domingo Perón e os reflexos de sua política nos peronistas posteriores gera uma dualidade na economia argentina: as demandas do setor agrícola, uma fonte proeminente de dólares, altamente competitiva no mercado global e, consequentemente, a favor do livre comércio, dualiza com sua indústria, que desde o primeiro mandato de Perón (1946-1955) segue uma abordagem protecionista e quase autossuficiente, resumida na frase frequentemente repetida pelos peronistas: "Viver com o nosso".


Em suma, apesar do país ter apresentado um crescimento de PIB relevante, por exemplo, entre 2012 e 2017, suas flutuações drásticas em questão cambial impactam diretamente a vida dos argentinos. Ademais, as remanescentes dívidas com o FMI o tornam um país pouco convidativo a investimentos que se paguem. Hoje, 05 de outubro de 2023, a cotação do dólar frente ao peso argentino é de 1 para 350.




Helena Andrade Teixeira Azevedo, Internacionalista formada pela Universidade Federal Fluminense com ênfase em Gestão de Projetos e Políticas Públicas pela Fundação Getúlio Vargas. Analista, pesquisadora e redatora com interesse nas áreas de comunicação política, cooperação internacional e direitos humanos. Atualmente atua como Analista de Proteção de Marcas pela React,organização internacional sem fins lucrativos. Membrodo CERES.



Fontes:


HORN, C. H., VALENTI, L. P., & PETRY, B.-H. D. S. (2023). A crise argentina de 2018: antecedentes e interpretação. Brazilian Journal of Political Economy, 43(2), 335–357. https://doi.org/10.1590/0101-31572023-3398


GONZÁLEZ, ENRIC (2021). A crise perpétua da Argentina. Disponível em: https://brasil.elpais.com/economia/2021-03-01/a-crise-perpetua-da-argentina.html.

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