A corrida presidencial nos Estados Unidos sempre é algo muito acompanhado devido a importância que mudanças de política externa, economia, gastos públicos e posicionamentos reverberam ao redor do mundo, sempre importante lembrar que é um processo complexo e bem particular a escolha do mandatário do poder executivo. A principal fonte do modelo democrático ocidental, principalmente quando pensamos no clássico espectro político ideológico, vem passando por eleições complicadas desde 2016, quando a ascensão política de Donald Trump iniciou uma reformulação dentro do partido republicano em busca de se alinhar a nova força da direita americana.
Esse ano as eleições voltam a ter Donald Trump como o candidato republicano – depois de não ter sido reeleito em 2020 - agora com muito mais força dentro do partido que nos últimos 8 anos aprimorou o seu discurso, alinhou as estratégias, tudo focando a volta a Casa Branca. Seguindo o “roteiro” tradicional da política norte americana, o atual presidente Joe Biden seria naturalmente o candidato do partido democrata, inclusive já tendo feito discursos em comícios e participado do primeiro debate contra Trump. Mas diversos episódios colocaram em xeque a capacidade física e de cognição de Biden, principalmente após esse debate que os democratas classificaram como perigosa a manutenção da sua candidatura.
Capitaneados por nomes como Bill Clinton, Barack Obama, Nancy Pelosi e outros caciques do partido, houve uma pressão muito grande para que Joe Biden finalmente renunciasse à corrida eleitoral e deixasse em aberto o nome a ser indicado pelos democratas. Diante disso surgiu a pergunta: quem poderia substituir o atual presidente e com força política para fazer frente a Trump?
Importante ressaltar que para ser oficializado candidato é preciso conquistar o apoio da maioria dos 4.000 delegados – que são filiados engajados politicamente, com ativismo eleitoral nos estados – e mais de 700 dos superdelegados – incluem líderes de partidos, funcionários eleitos, ex-presidentes e vice-presidentes – sendo uma eleição interna antes do pleito federal em novembro.
Talvez o natural fosse que Kamala Harris, atual vice-presidente, assumisse e fosse chancelada pelos democratas, porém diversas pesquisas ao longo desse ano mostraram que há um descontentamento de parte do eleitorado com sua atuação nesses 4 anos de mandato fazendo com que pairasse uma dúvida sobre sua capacidade de unir o partido e ter chances reais contra os republicanos. Nas regras eleitorais o atual presidente, que já havia conseguido o apoio de delegados e superdelegado e sido oficializado, não pode designar esses números para Harris, o que na prática significa que o partido democrata terá até a convenção para decidir o nome que substituirá Joe Biden. Se for mantida a votação virtual como planejada, o nome que conquistar a maioria dos votos dos delegados será o escolhido, antes mesmo da convenção, marcada para 19 de agosto. Caso essa votação virtual seja cancelada ou nenhum candidato alcançar maioria, as votações e decisões serão tomadas na convenção.
Até o fechamento desse artigo vários nomes surgiram como potenciais, além da vice-presidente, o governador da Califórnia – estado mais rico do país – Gavin Newson; a governadora de Michigan, Gretchen Whitmer; Josh Shapiro, governador da Pensilvânia entre outros. No momento muitos desses se uniram ao presidente Joe Biden e a grandes nomes do partido como Bill e Hillary Clinton, em apoio a Kamala Harris, sendo hoje o nome favorito para assumir como candidata do partido democrata.
Em pesquisas feitas antes mesmo da desistência oficial do presidente Biden, a vice-presidente já aparecia como nome principal pelos eleitores para ser a candidata. Kamal Harris de 59 anos é a primeira mulher a se tornar vice-presidente, é formada em direito e ciências políticas, foi procuradora em São Francisco e depois pelo estado da Califórnia, além de senadora entre 2017 e 2020, chegou a liderar pesquisas como pré-candidata nas eleições de 2020. Filha de mãe indiana e pai jamaicano tem forte apelo social por falar para minorias negras e imigrantes, juntamente com isso uma mulher dentro desses grupos aborda uma parte significativa do eleitorado.
O partido democrata precisa reestabelecer sua força política, ainda que esteja no poder, existem muitas críticas e desconfianças sob o mandato de Joe Biden, principalmente acerca de seu capital político institucional com a Câmara e o Senado. Muito defendem que Biden somente foi eleito pela força de Obama e o momento anti extrema direita que Trump proporcionava, o que hoje permanece, porém mostrou que não será suficiente para conquistar a Casa Branca. Os republicanos, ainda que tenham perdido o pleito passado, tem um quadro trumpista muito forte e que deverá ser decisivo até novembro.
Kamala Harris é o nome certo para os democratas alcançarem esse retorno ao poder e ainda “criarem” uma dúvida interna no partido republicano sobre a força de Donald Trump, mesmo que ele seja hoje a voz mais forte do conservadorismo de extrema direita nos Estados Unidos. Harris tem tudo para fazer história, se tornar a primeira mulher e sendo negra a ser presidente, feito de peso para a ala mais progressista do partido democrata e que tem força para equilibrar os discursos no país, principalmente sobre direitos civis e sociais.
Bernardo Monteiro é graduado em Relações Internacionais pela UNESA e também pós graduado (MBA) em Relações Internacionais pela FGV-RJ; autor do livro: “Para uma Estabilidade Democrática”, possui formação como analista político internacional; atua como escritor, analista político, pesquisador e divulgador científico sobre: política brasileira, história da democracia, democracias ocidentais e sociopolítica;
foi pesquisador associado do Laboratório de Simulações e Cenários da Escola de Guerra Naval da Marinha do Brasil (LSC-EGN/MB); foi professor convidado para a disciplina Análise de Política Internacional para a graduação em Defesa e Gestão Estratégica Internacional da UFRJ; foi professor de Análise de Política Externa para o I Congresso de Relações Internacionais (I CONRI); foi palestrante e professor sobre política brasileira, análise política, geopolítica, democracias e cenários prospectivos.
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