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IMPACTO DA COOPERAÇÃO MILITAR ENTRE MOÇAMBIQUE E RUANDA NA SEGURANÇA DO ESTADO MOÇAMBICANO

Foto do escritor: CERESCERES

A pesquisa insere-se num contexto em que desde o fim da Guerra Fria, o mundo deixou de ser bipolar, apresentando tendências multipolares diversificadas, e a ameaça que estava bem definida desapareceu, dando lugar a riscos e perigos, uns novos, outros antigos, que apenas subiram na hierarquia das preocupações dos Estados. Com isso, o conceito de segurança também sofreu alterações, alargando a domínios como a política, a economia, a diplomacia, os transportes e comunicações, a saúde e ao ambiente, procurando fazer face a riscos e ameaças, em que a vontade e os interesses particulares dos diferentes actores manifestam-se neste ambiente (Garcia, 2005: 338).


A Segurança também modificou o seu valor, passando-se de uma segurança de protecção dos interesses vitais ameaçados por um inimigo comum, ou seja, de uma segurança previsível, para uma segurança agora orientada para riscos diversos, mais difusos na forma, origem, espaço e actores, onde a imprevisibilidade aumenta as condições para a eclosão de conflitos. Ameaças transnacionais e simultaneamente intra-estatais como (o narcotráfico, terrorismo, migrações, riscos ecológicos e ambientais) passaram a fazer parte das preocupações na segurança dos Estados (Ibid.: 339).


No âmbito regional, um dos maiores problemas com que o continente Africano enfrenta, está na procura da consolidação da paz e segurança no seio dos Estados. Ainda assim e dentro de um contexto de expressivos conflitos armados duradouros, que convive com inúmeras situações de instabilidade não pouco dissimulada, a temática da segurança no continente africano adquire especial realce, por esse facto, constata-se que, apesar dos incessantes esforços da União Africana e dos seus comitês especializados, a Paz e a Segurança político-militar no continente está, ainda, numa fase apática. Diversos actos insurrecionais, extremismos militares e religiosos, variados tipos de terrorismos, a maioria assentes em dogmas religiosos ou secessionistas, são alguns dos casos que colocam em causa a Paz e a Segurança no Continente africano (Almeida, 2016: 133-34).


Na esfera doméstica, Moçambique é considerado um país com algum risco em termos de segurança. O país tem estado a debater-se com uma instabilidade que verifica-se a todos os níveis na província de Cabo-Delgado, devido a manifestação da actividade terrorista, desde Outubro de 2017, que culminou com a morte de cerca 2.000 pessoas, milhares de feridos, destruição de infraestruturas públicas e privadas, como escolas, hospitais, casas, etc, e cerca de 700.000 deslocados, gerando assim uma crise humanitária sem precedentes devido ao sentimento de insegurança por parte das comunidades locais (Chongo & Chone, 2022: 57-60). Nesse contexto, o Estado Moçambicano buscou ajuda internacional e regional, com vista a defender a segurança nacional.

 

Problematização


Em um cenário internacional cada vez mais complexo e interconectado, nas últimas décadas, a cooperação militar entre Estados tem-se tornado uma estratégia comum visando enfrentar ameaças transnacionais como terrorismo e crime organizado. No entanto, tal cooperação tem levantado questões ligadas a soberania, eficácia e impacto nas relações diplomáticas e segurança dos Estados que recebem a ajuda, gerando assim uma divergência de ideias sobre os benefícios e desafios inerentes a essas parcerias militares.


Por um lado, alguns autores afirmam que a cooperação militar entre Estados desempenha um papel importante como ferramenta para fazer face a algumas ameaças a segurança dos Estados. Por outro Baylis et al. (2007: 24) argumentam que num mundo cada vez mais interdependente, para que os governos possam simplesmente atingir determinados objectivos nacionais e responder de forma eficaz à necessidade de sobrevivência, as colaborações militares constituem um meio poderoso de atingir esses objectivos”. Moreira (1988: 43) acrescenta que alguns Estados, não possuindo as próprias capacidades necessárias para a defesa dos seus interesses vitais, a começar pela defesa da segurança nacional, devem recorrer à cooperação militar para a defesa desses interesses.


Em contrapartida, outros autores não mostram-se cépticos em relação ao benefícios da cooperação militar entre os Estados. A este propósito alguns investigadores como Holsti, que considera que a circunstância das forças militares conduzirem acções de cooperação faz parte de uma ampla estratégia “hegemónica”, promovendo, desta forma, os interesses dos Estados que fornecem a ajuda, ao conduzirem, paralelamente às operações de combate, outras que visam a extensão da sua preponderância política (Holsti, 1970: 20). Na mesma senda, Travis (2018: 9), argumenta que equipamentos e armamentos de alta tecnologia frutos da cooperação militar não são sinónimo de eficácia e sucesso nas operações militares, paradoxalmente, intensificam a conflitualidade.


Tendo em conta a cooperação militar entre Moçambique e Ruanda, estas perspectivas sugerem por um lado que a cooperação militar traz benefícios imediatos em termos de segurança, e por outro lado que ela gera dependência e pode gerar desafios ao longo prazo para a soberania e segurança do Estado Moçambicano. Diante dessa controvérsia, surgiu a seguinte questão:


Qual é o impacto da cooperação militar entre Moçambique e Ruanda na segurança do Estado Moçambicano?


Referencial Teórico

 Contexto de surgimento do Realismo


No final da Segunda Guerra Mundial impunha-se uma nova abordagem das relações internacionais, mais próxima dos factos, e como reacção ao Idealismo. Assim, surgiu o realismo, que imputou à Segunda Guerra Mundial a ingenuidade da diplomacia de apaziguamento que prevaleceu no decurso do período entre as duas guerras (Sousa, 2005: 156).


Entretanto, o realismo como mecanismo de explicação da orientação dos Estados no Sistema Internacional remonta à antiguidade, com autores como Tucídides, que deu início ao que mais tarde veio a tornar-se na abordagem realista das relações internacionais. Outro exemplo, é de Maquiavel (1532/1987), que no início da Renascença na Europa como assessor na corte de Florença, encontra-se ligado ao que mais tarde veio a chama-se de “Realismo”, através do destaque que este deu à necessidade do governante adoptar padrões morais com uma ética peculiar, diferente da dos indivíduos comuns, com o objectivo de garantir a sobrevivência do Estado. Da sua preocupação com o fenómeno do poder, no qual “os fins justificam os meios”, emergiu o princípio do seu pressuposto de que a política é caracterizada pelo conflito de interesses, assim como a sua visão pessimista a cerca da natureza humana (Lundin, 2016: 186).


De acordo com Dougherty & Pfaltzgraff (2003: 79 80), “com o fim da Primeira Guerra Mundial e com o desenvolvimento da teoria idealista, houve uma tentativa de se relegar o realismo ao esquecimento, mas com o fim da Segunda Guerra Mundial o realismo ocupou lugares cimeiros como modelo de explicação das relações internacionais”.


Na era moderna, o realismo desenvolveu-se nos Estados Unidos da América (EUA) no período que se seguiu à IIª Guerra Mundial (1945) como uma alternativa às abordagens utópicas, legalistas e idealistas. A sua intenção era reorientar a política externa americana para lidar com a União Soviética. Portanto, o realismo forneceu aos EUA uma base intelectual para a Guerra Fria, justificando assim o seu envolvimento permanente e global nos assuntos mundiais, e racionalizando a acumulação do poder (Lundin, 2016: 185).


Críticas ao Realismo

De acordo com Bedin et al. (2003: 136-137, citados por Lundin, 2016: 188[1]), o Realismo só toma em consideração a noção de poder e ignora as outras variáveis sociais. Entretanto a operacionalização do conceito de poder defendido pelo Realismo está mal definida e seu enquadramento é vago, uma vez que o poder pode ser, ao mesmo tempo, um meio, um fim, um motivo e uma relação. A questão do Estado, como actor unitário e principal das relações internacionais não encontra um suporte plausível nas relações internacionais contemporâneas, pois com a dinâmica social e, principalmente, com a globalização, surgiram novos actores tão importantes quanto os Estados.



Jaime Antonio Saia, Moçambique
Jaime Antonio Saia, Moçambique

Referências Bibliográficas 

Almeida, Eugénio C. (2016). O Papel da União Africana na Segurança em África: Do mar Mediterrâneo ao Cabo. Proelium X (10).

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[1] Bedin, Gilmar A.  et al. (2003). Paradigmas das Relações Internacionais. São Paulo: Editora Uni-Juí.

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