top of page

França um “desamor” cada vez mais palpável

Foto do escritor: CERESCERES

Por Marco Alves, Internacionalista.


O final de ano de 2024, demonstrou uma vez mais a posição que a França está perdendo no continente africano, principalmente nas suas antigas colónias. 


O fim da história com o Chade.


Em 28 de novembro 2024, o Chade fez um anúncio surpreendente de que estava encerrando o acordo militar entre Paris e NDjamena, marcando o fim de sessenta anos de cooperação militar desde o fim da colonização francesa. As operações de retirada do exército francês começaram em dezembro e terminarão nos primeiros meses de 2025.


O Chade era o último ponto de apoio da França no Sahel, com cerca de mil soldados estacionados principalmente no Campo Kossei, na capital chadiana, NDjamena. As tropas e aeronaves de combate francesas estão estacionadas no Chade quase que continuamente desde a independência em 1960, servindo para treinar os militares chadianos.


Essa decisão interveio depois da visita do Jean-Noël Barot (no mesmo dia do anúncio), onde foi se encontrar com o presidente Mahamat Ibn Idriss Deby Itno. 


Relembrando que Mahamat Deby chegou ao poder em 2021, depois da morte do pai Idriss Deby, quando realizou um golpe de estado, apoiado na época pela França que reconheceu de imediato sua liderança.


A viagem de Barot era de extrema importância porque Macron tinha acabado de se reconciliar com Deby Junior  após vários meses de desentendimento. Macron e o presidente do Chade tinham se reunido duas vezes na França nas últimas semanas, e as diferenças pareciam ter sido superadas. 


Barot viajou com bastante confiança para o Chade, onde, após ir à fronteira sudanesa, teve uma reunião com Debi às 16h do dia 28. Durante o encontro Barot emitiu algumas críticas, especialmente o apoio dado pelo Chade a Hemeti, Senhor de guerra sudanês que também é apoiado pelos mercenários russos do Wagner. Além disso, Barot sugeriu a proposta de adiar as eleições legislativas, que deviam ocorrer em dezembro, o que deixou o presidente chadiano furioso. Este último salientou que a França não podia se intrometer nas questões internas e também criticou a falta de apoio de Paris durante os últimos ataques do Boko Haram. Deby pedira às forças francesas informações de inteligência para melhor localizar e eliminar os jihadistas, pedido que ficou sem resposta, deixando as chadianas atoladas nos pântanos do Lago Chade durante um ataque violento que causou a morte de cerca de quarenta soldados chadianos em 10 de outubro. 


Mal o ministro havia saído de Ndjamena quando as autoridades chadianas emitiram a declaração que o governo do Chade encerrava o acordo de cooperação de defesa com a França: “apos conquistar a independência há mais de 6 décadas o país está virando uma nova página em sua história ao romper novos laços com seu antigo colonizador. Essa decisão permitira que o país redefinisse suas parcerias estratégicas de acordo com as prioridades nacionais”. O governo francês não reagiu imediatamente, porque não tinha sido previamente informado, descobriu ao mesmo tempo que todo mundo, um verdadeiro terramoto.


A ideia de uma ruptura total com a França vinha fermentando na cabeça de Deby há muito tempo e Macron queria tentar reverter isso ao ver as grandes manobras geopolíticas de aproximação com Putin. Em junho 2024, Sergei Lavrov efetuou em uma visita diplomática em  Ndjamena com uma delegação importante. Outro ator presente os Estados Unidos que depois de pequenas brigas anunciaram que as duas partes haviam chegado a um novo acordo em setembro 2024 e concordaram em reposicionar forças americanas no território chadiano, mesmo que as autoridades americanas expliquem que serão em pequeno número.


Esse anúncio é um golpe de comunicação fantástico que Mahamat Deby conseguiu, no 66º aniversário da Proclamação da República do Chade, porque pedir ao exército francês para “fazer as malas” é extremamente popular na região e só fortalecerá seu poder. 


No dia 14 de novembro, Jean-Marie Bockel, representante especial da presidência francesa na Africa, tinha afirmado em entrevista na televisão disse que o Chade - o último grande ponto de apoio da França no Sahel, que abrigou por um tempo mais de 5.000 soldados como parte da Operação Barkhane - não expressou nenhum desejo de ver os soldados franceses deixarem seu solo, provando que o impacto dessa decisão é extremamente forte.  


Senegal e Costa do Marfim


No dia 28 de novembro o Presidente do Senegal, Bassirou Diomaye Faye também anunciou a saída dos militares franceses do país para 2025 e o fim da cooperaão militar com a França.

Esse anúncio já era previsível porque em outras ocasiões o presidente havia anunciado esperar as eleições legislativas para validar essa decisão. Nesse caso não era se isso ia acontecer mas quando. Em 31 de dezembro de 2024, ele agregou o fechamento de todas as bases militares estrangeiras em seu país até 2025. Simbolo forte de retomada da soberania por parte dos dirigentes senegaleses.


No mesmo dia (31.12.24), seu homólogo da Costa do Marfim, Alassane Ouattara, anunciou a entrega da base militar de Abidjan ao exército de seu país. Costa do Marfim é o maior aliado e parceiro da França na região. O anúncio pode soar forte, mas, na verdade, é menos impactante que os anúncios dos países vizinhos. De fato, Costa do Marfim não põe fim à cooperação militar com a França, mas pretende somente recuperar a base de Port Bouet e implementar um comando nacional. Ouattara já disse que os soldados americanos e franceses eram bem-vindos na base. A França tem em torno de 100 soldados presentes hoje no território, essencialmente serviços de inteligência. Relembrando que 2025 será um ano de eleições na Costa do Marfim e o poder de Ouattara está sendo criticado depois de três mandatos. “Expulsar” simbolicamente a França, no contexto regional atual, é tido como uma boa notícia e põe em xeque a oposição que critica seu alinhamento sistemático com Paris.


Embora seja necessário fazer uma distinção entre os países que decidiram romper o acordo de cooperação militar com Paris (Chade, Senegal) e os países que se contentam em fechar suas bases (Costa do Marfim), o anúncio do fechamento das bases pelos governos africanos, e não por Paris, simboliza a rejeição da política francesa e, portanto, sua perda de influência nos países em questão.


Discurso de Macron para os Embaixadores


Uma fala do oficial da França e do seu presidente era esperada depois de todos esses reveses. Em seu discurso para os embaixadores franceses no dia 6 de janeiro, Emmanuel Macron falou longamente sobre parcerias de segurança com a África,  referindo-se à redução do pessoal militar francês e refutando qualquer "retrocesso". Seu discurso provocou fortes reações.


Durante esse discurso o presidente falou longamente sobre as relações tempestuosas entre a França e suas antigas colônias, a saída das forças francesas do Sahel e a reorganização da presença militar da França na África, nos últimos anos.


Em 17 de fevereiro de 2022, a França e seus parceiros europeus formalizaram a retirada do Mali, após nove anos de operações anti-jihadistas lideradas por Paris. Essa decisão foi anunciada em um cenário de altas tensões com as novas autoridades malianas, que chegaram ao poder em um duplo golpe em 2020 e 2021. No Mali, Emmanuel Macron e seus aliados denunciaram especialmente a presença de milicianos "predadores" do grupo Wagner, considerado por Paris como uma linha vermelha. Posteriormente, as autoridades do Mali exigiram que a França se retirasse "sem demora", o que levou Paris a acelerar seu cronograma.


A história então se repetiu em Burkina Faso, onde, após um duplo golpe militar em 2022, o novo governo exigiu a retirada das forças especiais francesas estacionadas em Uagadugu em janeiro de 2023. Finalmente, em 24 de setembro de 2023, Macron anunciou a retirada dos 1.500 soldados franceses destacados no Niger, após um impasse de dois meses com as novas autoridades do país, que haviam derrubado o presidente e denunciado os acordos de defesa com a França. 


Em fevereiro de 2023, o presidente francês anunciou que ia introduzir um novo modelo de parceria militar, transformando as bases francesas em bases "conjuntas" ou "academias". O objetivo desse projeto era "reduzir visivelmente o número de tropas" em um momento em que a presença militar francesa, alvo de manifestações, era cada vez mais criticada e percebida como um desdobramento do neocolonialismo.


Todo esse contexto impunha uma reorganização das forças armadas, que se esboçava com a visita do Jean-Marie Bockel, representante do presidente francês para as questões africanas durante meados de 2024. Diante do cenário, Macron afirmou novamente que essa reorganização era uma escolha e não algo que a França tinha que aceitar.


As recentes decisões do Chade, Senegal e Costa do Marfim foram então alvos de comentários do Macron: "Propusemos aos chefes de Estado africanos que reorganizássemos nossa presença. "Como somos muito educados, deixamos que eles fizessem o anúncio", disse ele, afirmando que vários desses países "não querem remover o exército francês ou reorganizá-lo". 


Esses comentários provocaram uma reação do primeiro-ministro senegalês, Ousmane  Sonko. "No caso do Senegal, essa declaração é totalmente errônea", denunciou. "Nenhuma discussão ou negociação foi realizada até o momento, e a decisão tomada pelo Senegal decorre exclusivamente de sua vontade, como um país livre, independente e soberano."


Mas o pior estava para vir quando Macron mencionou a ingratidão dos líderes africanos que "não tiveram a coragem, diante de sua opinião pública", de agradecer à França por seu compromisso militar  que ajudou  vários deles a permanecerem no poder e lutar contra o terrorismo e que ele já estava acustumado com a ingratidão”.


Essas declarações levaram a muitas reações de hostilidade, como o demonstra a fala de Sonko : "A França não tem nem a capacidade, nem a legitimidade para garantir a segurança e a soberania da África. Pelo contrário, muitas vezes contribuiu para desestabilizar certos países africanos, como a Líbia, com consequências desastrosas para a estabilidade e a segurança do Sahel", denunciou na rede social X.


O presidente do Chade também se manifestou. "Gostaria de expressar minha indignação com os comentários feitos recentemente pelo presidente Macron, que beiram o desprezo pela África e pelos africanos. Acho que ele está na era errada", disse durante um discurso oficial. Seu ministro das Relações Exteriores havia denunciado anteriormente "uma atitude de desprezo em relação à África e aos africanos".


Em todo o continente, tanto na imprensa como nas redes sociais essa fala foi extremamente criticada e piorou consideravelmente a imagem da França e acrescentando o ódio ao Macron. Eles tiveram um impacto semelhante ao discurso do Sarkoy em Dakar quando este tinha afirmado “que o homem africano não tinha entrado o suficiente na História”.


Em Paris, fontes diplomáticas tentaram apagar o incêndio. "O Chade e o Senegal não foram de forma alguma visados por esses comentários, uma vez que o que foi anunciado por Dakar e NDjamena já estava em vigor, e nós estávamos de acordo com o objetivo - foi apenas o momento desses anúncios que nos surpreendeu". O presidente "visou claramente os países da AES (Aliança dos Estados do Sahel) e o Mali em particular". "Todos nós tivemos uma experiência ruim com o Mali quando vimos os recursos, o investimento humano e financeiro que isso representou durante anos a pedido das autoridades do Mali, e quando pensávamos que estávamos fazendo a coisa certa", explicaram, ressaltando que 58 soldados franceses morreram em menos de uma década no Sahel.


Entre 2022 e 2023, quatro ex-colônias francesas (Níger, Mali, República Centro-Africana e Burquina Faso) pediram a Paris que retirasse seu exército de seus territórios, onde historicamente estava baseado, e se aproximaram de Moscou. Agora, Senegal, Chade, e Costa do Marfim fizeram o mesmo pedido. Enquanto isso, Macron diz : "Não, a França não está retrocedendo na África, ela é simplesmente lúcida, ela está se reorganizando."


Consequências para a França...


As bases militares eram um ativo estratégico, primeiramente para proteger regimes recém-independentes e frágeis que precisavam de um guarda-chuva de segurança após a independência e, em segundo lugar, para realizar operações externas (Opex). Essas bases eram os pontos de apoio logístico que possibilitaram que a França interviesse militarmente e evacuar cidadãos franceses durante as crises.


Entretanto, nos últimos anos, a relação custo/benefício das bases começou a ser questionada em Paris, e as bases se tornaram um problema político-estratégico. Por um lado, ao simbolizar o antigo pacto de segurança pós-independência entre Paris e os líderes de determinados países, elas parecem ser um legado neocolonial.


O fechamento das bases implica o fim das operações externas, a França não terá mais a capacidade de influenciar - com ou sem razão - determinados conflitos na África. Isso reduzirá drasticamente sua influência nessa parte do mundo, pois, por um lado, à medida que os conflitos aumentam na África, mais e mais Estados africanos procuram fornecedores de segurança. Por outro lado, prevenir, estabilizar ou tentar resolver conflitos requer uma combinação de diplomacia e ação militar.


...Perda no cenário internacional


A França era vista como "o policial da África". Houve nada menos do que 52 operações militares francesas na África entre 1964 e 2014 e, como parte das intervenções militares europeias na África no início deste século, a França desempenhou o papel de nação-quadro. Os outros parceiros ocidentais reconheceram a experiência da França no gerenciamento de crises africanas e apoiaram ou simplesmente seguiram sua política.


Isso se refletiu nas responsabilidades diplomáticas na União Europeia e nas Nações Unidas: a diplomacia francesa está bem representada na Diretoria da África do Serviço Europeu de Ação Externa, a caneta para as resoluções do Conselho de Segurança sobre a África é confiada à delegação francesa, o Departamento de Operações de Manutenção da Paz na ONU é chefiado por um diplomata francês e assim por diante.


Como resultado, o fim do intervencionismo militar francês terá repercussões para a diplomacia francesa que vão além da África e já estão sendo sentidas em Bruxelas, Washington e Nova Iorque. No Níger, os Estados Unidos não seguiram a linha dura da França após o golpe que depôs o presidente Mohamed Bazoum em 2023, mas tentaram conciliar a junta. Mas sem sucesso.


No Chade, enquanto Paris estava muito complacente com a sucessão dinástica de Déby pai para Déby filho, Berlim assumiu uma posição crítica, levando a uma crise diplomática e à expulsão mútua de embaixadores em 2023. Na Itália, Georgia Meloni criticou publicamente a política francesa na África, criando tensões entre Paris e Roma.


....Proteger seus interesses econômicos?


Em 2023, a África foi responsável por apenas 1,9% do comércio exterior da França, 15% de seu fornecimento de minerais estratégicos e 11,6% de seu fornecimento de hidrocarbonetos. Além disso, os dois principais parceiros comerciais da França na África Subsaariana são a Nigéria e a África do Sul - duas ex-colônias britânicas que nunca abrigaram uma presença militar francesa em seu solo.


Desde a virada do século, a evolução das relações franco-africanas tem sido marcada por uma forte dissociação entre o econômico e o militar. Além de a França ter cada vez menos interesses econômicos na África, seus principais interesses não estão localizados em países que abrigam bases francesas.



Marco Alves
Marco Alves


Bibliografia

  • Discurso do presidente Macron aos embaixadores:

  • Discurso do presidente Alassane Ouattara 31.12.2024

  • Discurso Bassirou Diomaye Faye 31.12.2024

  • Publicação oficial no Meta do acordos Chade – França:

Kommentare


NOSSOS HORÁRIOS

Segunda a Sábado, das 09:00 às 19h.

VOLTE SEMPRE!

NOSSOS SERVIÇOS

Siga nossas redes sociais!

  • Facebook
  • Twitter
  • YouTube
  • Instagram

O CERES é uma plataforma para a democratização das Relações Internacionais onde você é sempre bem-vindo!

- Artigos

- Estudos de Mercado

- Pesquisas

- Consultoria em Relações Internacionais

- Benchmarking

- Palestras e cursos

- Publicações

© 2021 Centro de Estudos das Relações Internacionais | CERESRI - Imagens By Canvas.com - Free Version

bottom of page