Luis Augusto Medeiros Rutledge
A segunda parte do século XX nos fez viver sob a sombra da guerra fria e de um mundo polarizado. Hoje, nas primeiras décadas do século XXI, a geopolítica nos apresenta um mundo dividido em blocos econômicos, onde países convergem cada vez mais para alinhamentos geoestratégicos.
Uma mudança estrutural na ordem global está em andamento. O comércio internacional tornou-se cada vez mais fragmentado na última década, onde países-membros do BRICS, Mercosul e do G7 passaram a intensificar o comércio internacional dentro de seus blocos econômicos.
Dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), numa abordagem entre 2018 e 2023, confirmam a discrepância entre exportações dentro e entre blocos e expõem as dificuldades de se fazer comércio entre países de blocos distintos. Uma prova disto, encontramos nas exportações bens chineses. As exportações da China com países do BRICS são muito superiores quando comparado com membros do G7. A Guerra da Ucrânia e as consequentes sanções de países europeus ao petróleo russo contribuíram para que a participação da Rússia nas exportações para o grupo do G7 caísse 3,8 pontos percentuais no mesmo período.
Dados amplos da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento (United Nations UNCTAD) de 2022 indicam que o alinhamento geopolítico é determinante nas relações comerciais. O comércio internacional entre países geopoliticamente próximos aumentou mais de 6 % entre 2022 (início da Guerra da Ucrânia) e 2023. Por outro lado, o comércio com países geopoliticamente distantes diminuiu.
Outra forma evidente de impulsionar o comércio internacional é diretamente através de pactos comerciais entre blocos econômicos e não através de acordos bilaterais. Os ganhos individuas, cada país, surgem a partir das regras comerciais entre os blocos envolvidos.
As recentes negociações para a formação de um acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia traria, além de benefícios aos blocos, vantagens econômicas diretas para o Brasil. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) concluiu que o Brasil seria o principal país do bloco do sul beneficiado em termos de aumento do produto interno bruto (PIB), de investimentos e de ganhos na balança comercial caso o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia entre em vigor. Entre 2024 e 2040, o acordo provocaria um crescimento de 0,46% no PIB brasileiro – o equivalente a US$ 9,3 bilhões a preços constantes de 2023 –, em relação ao cenário de referência. O estudo mostra também que, em termos relativos, o país obteria ganhos maiores que os da União Europeia (aumento de 0,06% no PIB) e dos demais países do Mercosul (alta de 0,20%), Fonte: IPEA.
Este acordo aumentaria os investimentos no Brasil em 1,49%, na comparação com o cenário sem a parceria. Nesse sentido, a exemplo do PIB, o Brasil também teria vantagens substancialmente maiores do que a União Europeia (0,12%) e os demais países do Mercosul (0,41%). Em números, o país teria um ganho de US$ 302,6 milhões, ante US$ 169,2 milhões nos demais países do Mercosul e queda de US$ 3,44 bilhões na União Europeia (UE), com as reduções tarifárias e concessões de cotas de exportação previstas, Fonte: IPEA.
No campo energético, identificamos o mesmo comportamento, onde blocos como o BRICS busca fortalecer a cooperação interna e aumentar a infraestrutura energética. A transição energética é o mais recente exemplo da influência geopolítica em torno das commodities que alavancam o processo de descarbonização mundial e o avanço no desenvolvimento tecnológico para maior geração de energia a partir de fontes renováveis. A maior oferta de energia limpa demanda da disponibilidade de minerais críticos, principais insumos para projetos de energia limpa. No entanto, as cadeias de abastecimento desses minerais são altamente concentradas em alguns países e, mais ainda, em blocos geopolíticos onde o alinhamento das relações internacionais reflete a condução do comercio global de insumos estratégicos.
A transição energética está inserida nas dinâmicas globais de poder. A geopolítica energética antes representada pelos produtores de petróleo e gás natural, hoje inclui países detentores de lítio, grafite, cobalto, cobre e terras raras. Os maiores fornecedores globais de petróleo e gás – Estados Unidos, Rússia e Arábia Saudita – produzem algo entre 10 e 20% da oferta mundial de minerais críticos, enquanto a Bolívia tem a maior reserva de lítio do mundo e a China possui o domínio no suprimento e produção global de quase 60% das terras-raras.
Em paralelo, a amplitude no campo da geopolítica energética alcançada pelos blocos comerciais BRICS e Mercosul significa uma mudança de chave nas relações internacionais. As inclusões estratégicas de Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos no BRICS e da Bolívia no Mercosul, representam o controle geopolítico e a governança do petróleo, gás natural e, principalmente, minerais críticos para o bloco econômico sul-americano, remodelando o cenário energético global.
A entrada da Bolívia no Mercosul é o mais recente capítulo da dinâmica da geopolítica energética. Por causa de sua importância na transição energética, o lítio possui papel estratégico similar ao petróleo na crise dos anos 1970. Uma extensa concentração de reservas do minério entre Argentina, Bolívia e Chile, posicionam estes países com 64% das reservas mundiais. A Bolívia, agora pertencente ao Mercosul, possui em torno de 49% das reservas mundiais de lítio, mineral essencial para fabricação de baterias para produtos estratégicos. Nas futuras relações comerciais entre União Europeia e Mercosul, o lítio entrará em pauta. A União Europeia em busca de sua transição energética demanda de níquel, lítio e outros minerais de transição, explorando acordos comerciais com países ricos em recursos no Sul Global.
À medida que a União Europeia, BRICS, G7, Mercosul e seus Estados-membros formulam políticas comerciais e energéticas externas, eles devem se concentrar menos em posições divergentes e mais em interesses sobrepostos na realização da transição energética. Os BRICS e o Mercosul têm muito em comum em sua trajetória econômica, onde o Brasil possui papel relevante. A União Europeia deve explorar oportunidades de cooperação, centrando-se nos aspetos necessários para impulsionar a segurança energética e a redução das emissões globais.
O diálogo multilateral entre a União Europeia, BRICS, G7 e Mercosul poderia identificar respostas conjuntas ao desenvolvimento igualitário de novas tecnologias para uma transição energética justa.
Luis Augusto Medeiros Rutledge
Engenheiro de petróleo formado pela UNESA e possui MBA Executivo em Economia do Petróleo e Gás pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pós-graduado em Relações Internacionais e Diplomacia pelo IBMEC.
Pesquisador da UFRJ, Analista de Geopolítica Energética e Membro Consultor do Observatório do Mundo Islâmico de Portugal, Consultor da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior - FUNCEX.
Colunista do site MenteMundo.
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