Fiódor Dostoievski é, sem dúvidas, um dos grandes nomes da Literatura Mundial. No Brasil é um dos autores mais lidos. O escritor influenciou o pensamento de muitos outros grandes escritores e filósofos contemporâneos e posteriores ao seu tempo, como por exemplo Nietzsche e Kafka, e até mesmo nosso querido Graciliano Ramos, para não citar uma infinidade de outros grandes nomes.
Como diz Zweig: Dostoievski é um psicólogo da alma humana, mais precisamente da alma russa. Em seus romances, este autor se debruça nas condições da alma humana em seus limites. Ele discorre sobre temas existencialistas, religiosos, filosóficos, morais e, desta forma, adentra em questões também sociais, econômicas e históricas.
Nas obras de Dostoievski podemos não somente conhecer a alma russa, mas também, a história russa e suas convulsões sociais ocorridas no período de vida do Autor, o que é o tema central deste artigo.
Inicialmente, é importante ressaltar que o escritor e outros como Tolstói, Puchkin e Turguêniev também viveram este grande período, o chamado período de prata russo, e influenciaram toda a inteligentsia russa.
É importante observar que a Rússia vinha, desde Pedro I (1682-1721), tentando se tornar mais europeia, mais ocidental. Em suas viagens à Europa, o Czar, percebeu que a Rússia era um país bastante atrasado em relação aos europeus. Desta forma, Pedro começou um processo de ocidentalização russa. Pedro, o Grande, foi o criador da cidade de São Petersburgo, que seria uma janela para o ocidente, intitulada desta forma, não para são Pedro, senão para si mesmo. Ele também, abriu um porto no Mar Báltico. Além de outras grandes reformas administrativas e até mesmo sociais, tudo para tentar tirar a Rússia do atraso feudal.
Além de Pedro, o Grande, Catarina, a Grande, também seguiu com estas reformas. Mas algo que colocou a Rússia no centro do tabuleiro das relações internacionais europeia, foi a guerra que Alexandre I ganhara contra Napoleão, sendo um nome importante no Congresso de Viena em 1815, o qual deu fim às guerras napoleônicas.
Esta invasão à Rússia por Napoleão, e a pessoa de Napoleão é tema central em grandes obras de Dostoievski. Em Crime e Castigo, umas das maiores obras do autor, Raskolnikov, em seus devaneios sobre existirem pessoas ordinárias e extraordinárias, usa a pessoa de Napoleão para reforçar sua tese. Não só a personagem principal idolatra Napoleão como vários outros papéis no decorrer da trama. Em O Idiota, o General amigo do Principe Míchkin, inventa uma história da qual ele, enquanto criança, esteve com o próprio Napoleão na devastada moscou e presenciara o choro de Napoleão ao perceber que perdera a Guerra. Em os Irmãos Karamazov, Napoleão entra nas discursões acerca das lutas pelas liberdades individuais na qual ele é um exemplo desta luta.
Outro autor que usa muito do tema das guerras franco-russas é Tolstoi: em seu romance de maior aclamação, Guerra e Paz, se passa tão somente do início das guerras napoleônicas até seus fins e consequências. Livro escrito de forma erudita mesclando a realidade à ficção do autor, um livro sem igual.
Abandonando as digressões, voltemos à intelligentsia russa: este termo refere-se aos grupos de pessoas envolvidas em trabalhos intelectuais complexos, criativos, que tinha como direcionamento o desenvolvimento e a disseminação da cultura russa.
O movimento, que teve início em meados dos anos 1840, buscava uma reconstrução social do país, um de seus objetivos principais era a substituição do absolutismo dos Czares por sistemas políticos constitucionais e o fim da servidão, além da luta em voga à época: a defesa dos direitos fundamentais do homem.
Dostoievski, no ano de 1849, foi preso por envolvimento com pessoas e por fazer críticas ao Czar, na época Nicolau I, que o fez ser condenado à morte. Este fato, dizem os especialistas em Dostoievski, transformou a vida e obra do autor. Foi na prisão que ele teve seu primeiro ataque epiléptico, cuja doença o seguiria na vida e em suas obras pelo resto da sua existência.
O Czar comutou sua pena à trabalhos forçados na Sibéria, mas foi ordenado que não fora dito até no dia da execução, o que foi encenada e deu a Dostoievski uma experiencia de quase morte. Dizem que esta experiência o modificara e o transformara no grande autor que ele viera a se tornar.
Depois desta experiências e de volta aos trabalhos forçados, em 1862, ele escreveu ao livro Memorias da casa dos mortos, livro cujo tema é um pouco de sua experiencia vivida em seu período de cárcere. Stephen Zweig, em sua biografia do escritor diz que com este livro o Czar chorou, e que o livro fazia Dostoievski voltar ao topo dos melhores escritores de sua época, voltando a ser bastante admirado.
Em regresso à história russa, outro fato que fazia com que a Rússia fosse vista como barbara, atrasada, era a questão da servidão. O país não tinha um regime escravocrata propriamente dito, mas um regime de servidão, o que fazia o país ainda parecer um sistema semifeudal, como aponta Segrillo. Dostoievski era contra tal regime e viveu para ver a Rússia de se desvincular desse sistema semifeudal para um regime semicapitalista.
Em 1861, com a chegada ao poder de Alexandre II, popularmente conhecido por o Czar Libertador, o regime de servidão foi abolido na Rússia. Alexandre II foi o Czar responsável por reformas liberais (e por isso o apelido de o Libertador) e colocar a Rússia num regime mais próximo do capitalismo em total desenvolvimento europeu.
Esta tentativa de transformar a Rússia num país capitalista de uma hora para a outra causou bastante convulsão social. Na grande obra Crime e Castigo, pode-se perceber as mazelas causadas na sociedade por conta desde “desenvolvimento” capitalista. O Autor descreve como Petersburgo e sua população vivia em situações degradantes, faziam tudo por dinheiro: matavam, se prostituiam, se estragavam em vícios, viviam pegando dinheiro com usurários, inclusive, o crime e o castigo, é devido à tentativa de melhorar o mundo ao eliminar uma usurária, que só causa mal-estar à sociedade.
No livro Os Irmãos Karamazov há um diálogo curto, mas preciso para se entender o fim da servidão naquele país: a Marfa, mulher de Grigory, ambos servos do Karamazov pai, pergunta ao marido porque não deixam de servirem aos Karamazov e não vão viver de algum negócio seu e Grigory afirma que sua vida de servo é mais benéfica à sua sub existência do que viver por conta própria. Era esta a realidade de muitos servos: viver ainda servindo a seus senhores como forma de sub existência.
A Igreja Ortodoxa russa é de fundamental importância ao país. Por exemplo, quando Putin assumiu o poder em seu primeiro mandato, um dos primeiros apoios buscados foi o da Igreja Ortodoxa. Na obra deste autor russo não poderia passar sem que ele fizesse menção à igreja. E nas suas obras podemos perceber a importância da fé na vida dos russos e na política.
Dostoievski faz uso de seus personagens para engrandecer a igreja, Aliocha nos Irmãos Karamazov é o irmão bom, fiel a Deus, um santo aqui na Terra mesmo posto em provação, mantém firme sua fé. Em alguns diálogos Aliocha mostra os desvios da igreja romana e a coloca como pecadora e não mais virtuosa. E que a igreja Ortodoxa tomaria seu local natural de Igreja Universal.
No Livro O Idiota, o Principe Míchkin é um dos personagens que Dostoievski mostra mais apreço. Ele é um “idiota” por ser uma pessoa de bom coração, um exemplo do que deveria ser o cristão ortodoxo.
Dostoievski entendia o poder da Igreja Ortodoxa e acreditava que ela exerceria um papel grande no pensamento geopolítico da grande mãe russa na qual a Rússia seria a grande protagonista, líder mundial, e a igreja era um meio para este fim.
A literatura russa naquele período era uma forma dos pensadores usarem deste artificio para poderem expressar suas ideias políticas e filosóficas frente à censura da época.
Não só Dostoievski, mas muitos outros demonstraram seus descontentamentos e críticas, suas visões políticas, suas filosofias na literatura. Nos escritos do autor em evidência há muitos embates políticos, e neles podemos perceber, mesmo que de forma indireta, o nacionalismo de Dostoievski.
Em Crime e Castigo há diálogos de personagens socialistas e liberais, pensamentos políticos em alta na época. o pensamento da construção nacional do que é a Rússia: se oriental, ocidental, ou um polo autônomo, único, pode ser visto em sua obra. Dostoievski percebia a Rússia como sendo única, falava da “alma russa” e, através de seus personagens, mostrava todo seu nacionalismo em apoio à cultura e grandeza russas. Em O Idiota, o Principe Míchkin, que foi estudar na Europa, ao voltar, fala da ilusão que é morar fora da sua pátria, e que não há lugar melhor que seu país para se viver.
A literatura dostoievskiana é importante em todos os aspectos e por isso ele é um dos maiores autores da literatura mundial. pai do existencialismo, psicólogo de almas, sua literatura é rica em cultura, história, filosofia, política e imprescindível àqueles que buscam erudição, sapiência na literatura.
Zweig diz que Dostoievski buscava uma Rússia unificada, forte e que não viu, mas que ainda em sua época ele conseguiu tal unificação: em sua morte, o luto foi nacional, todos se uniram, sentiram e compartilharam a dor da perda de um dos maiores nomes, não só da literatura. Ele morreu em 9 de fevereiro de 1881. Viveu sob o governo de 4 czares. Sendo assim, a importância de Dostoievski está para além da literatura: em seu escritos nos debruçamos na história, cultura e politica russa, pela visão do autor, além de entrar em embates filosóficos políticos e existencialistas.
Genildo Pereira Galvão
Graduado em Relações Internacionais pelo Centro Universitário IESB. Cursou um semestre do seu curso na Universidad Autónoma de Guadalajara, México. Conquistou essa oportunidade em um programa de bolsas do Programa Santander Universidades, no qual ficou entre os 9 selecionados do processo seletivo de 2017. Iniciou uma Licenciatura em História, em 2021, que trancou para iniciar uma em Filosofia que segue cursando. Trabalhou no Ministério da Educação como Analista Jurídico Júnior pela THS Tecnologia.
BIBIOGRAFIA
DOMINGUES, CAMILO JOSÉ TEIXEIRA. NIKOLAI GAVRILOVICH CHERNYSHEVSKY E A INTELLIGENTSIA RUSSA: FILOSOFIA E ÉTICA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX. 2015.
SEGRILLO, Ângelo. Os russos. 2012.
ZWEIG, Stefan. Dostoievski, vida e obra. 2021.